07 agosto 2012

Ciência e fé: mal-entendidos


Num dia desses tirei um tempinho para assistir a alguns vídeos no YouTube com discussões sobre filosofia, ciência e , bem como sobre criacionismo e evolucionismo. Fiquei impressionado com os mal-entendidos e conceitos truncados, imprecisos e incompletos, além de puros e simples preconceitos! Não é à toa que muitos pensam que fé e ciência sejam incompatíveis! Com determinadas visões de ciência e certas visões de fé, não é para menos!

Resumidamente, como este espaço permite, é preciso que se compreenda o seguinte: (1) Não há contraposição entre criacionismo e evolucionismo do ponto de vista bíblico. (2) Desde os anos 50 do século passado a Igreja tem deixado claro que as narrativas bíblicas da criação pertencem a um gênero literário poético: Deus criou tudo, tudo é bom, tudo foi tirado do nada para a glória de Deus, a misteriosa realidade do mal é fruto de um não a Deus dado pela criatura, o homem é imagem de Deus, tudo caminha para Deus. É isto que os relatos da criação desejam ensinar. (3) Há um tremendo mal-entendido de muitos cientistas sobre o que significa a palavra Deus bem como sobre o Seu modo de agir!

Deus não é um ser entre outros, que possa ser apreendido, descrito, "quantificável". Ele é o Ser; rigorosamente falando, Ele não existe; Ele É! É presente no mais íntimo da menor e mais fugaz partícula subatômica e envolve o universo todo (ou milhares de outros que possam existir, segundo a imaginação mais fantasiosa que real de alguns astrofísicos...): Ele é o mais Além e o mais Aquém de tudo! Sobre Deus, a ciência não tem nada a dizer, simplesmente porque Ele escapa totalmente ao seu campo de estudo e competência. Fico impressionando quando vejo cientistas que, falando de Deus, de repente extrapolam seu campo e tornam-se filósofos ou teólogos de má qualidade...

Outro mal-entendido: o modo de pensar a ação de Deus no mundo. Dou alguns exemplos: se é a liberdade humana quem age, então não é Deus; se é Deus, então não é a liberdade. Assim, para libertar o homem, é necessário eliminar Deus. Outro exemplo: se se consegue explicar os dinamismos da matéria, da energia, a evolução do universo e a evolução dos seres vivos, então Deus não existe... Aí aparecem com toda força a compreensão tortíssima de quem é Deus e da qualidade da Sua ação! Exatamente porque Deus não é um ser entre os seres, mas é o Ser que cria soberanamente e sustenta continuamente tudo no ser, Sua ação criadora é contínua e total e não vem de fora para dentro do mundo criado, mas age no íntimo mesmo da matéria e da vida. Assim, uma flor se abre porque Deus continua criando, uma estrela explode porque Deus continua agindo, o vento sopra porque Deus continua Sua obra! Mas, e as leias da natureza? São obra contínua de Deus, que é amorosamente fiel à Sua criação! A evolução mesma é obra da contínua e perene ação de Deus, que tudo dirige, governa e conduz segundo Sua misteriosa sabedoria, que nos ultrapassa!

Então, isto significa que não se pode perceber os rastros de Deus na Criação? Pode-se sim! (1) O próprio fato de existir o ser e não o nada, grita pela questão: donde vem tudo? Quem deu a tudo o ser e a consistência? E esta incrível ordem, mesmo em áreas de aparente desordem? Como do nada pôde surgir tudo? Nenhum cientista tem uma resposta científica para tais questões. Os que se metem a respondê-las extrapolam o método científico e começam a fazer filosofia, na maioria das vezes, de má qualidade...

(2) Se pensarmos bem, olhando a criação e a inteligência e o coração humanos, temos que nos perguntar por uma Inteligência infinita, que nos ultrapassa totalmente e tudo criou para Si! O mal é querer medir Deus por nós, engaiolando-O no nosso estreito limite! (3) Mas, tem mais: quantas vezes diante da beleza da criação e da vida com seus acontecimentos, temos a intuição fortíssima da existência e da presença desse Criador amoroso, verdadeiro poeta? Reduzir o conhecimento humano ao racional é ridiculamente desumano! Até mesmo descobertas científicas são realizadas, às vezes, seguindo-se a intuição... E é bom ter bem presente que no caso da persistente intuição que o coração e a inteligência humana têm da existência de Deus, não se trata de um tema periférico da vida, mas do fundamento mesmo da existência. Trata-se de uma intuição que poderíamos chamar de arquetípica, ponto de o homem não conseguir jamais escapar da noção de Deus – a não ser para cair na noção de deuses falsos, verdadeiras armadilhas que tiranizam e desfiguram o homem!

(4) E o mais que tudo: a tremenda e perturbadora questão do Sentido! Por que e para que tudo existe? E eu, com meus sonhos e desejos infinitos? E a inteligência e consciência do ser humano? Não será a neurociência ou qualquer outro ramo da ciência que poderá responder a este tipo de perguntas. Aqui entra a filosofia e, em última análise, a religião!

A discussão entre fé e razão, entre ciência e religião sempre foi muito problemática devido às intolerâncias e preconceitos de ambas as partes. Atualmente, pelo menos na nossa cultura ocidental, o grande preconceito e intolerância parte, sobretudo, da visão estreita de alguns cientistas. Seria preciso humildade para escutar o outro, para perceber os vários campos de abordagem da realidade, aceitando os limites do seu próprio campo de estudo. Se se levasse isso em conta, haveria bem menos mal-entendidos e bem menos bobagem nas opiniões sobre o tema...


03 agosto 2012

Papa Bento XVI concluiu o seu terceiro volume sobre Jesus de Nazaré, dedicado aos Evangelhos da infância

2012-08-02 Rádio Vaticana
Cidade do Vaticano (RV) - Bento XVI concluiu o livro sobre a infância de Jesus: foi o que anunciou o Cardeal Secretário de Estado, Tarcisio Bertone, nesta quarta-feira, em Valle d'Aosta – noroeste da Itália –, onde está transcorrendo um período de repouso.

E na manhã desta quinta-feira a Sala de Imprensa da Santa Sé precisou que agora "estão sendo feitas as traduções para as diversas línguas, a partir do texto original escrito em alemão". O purpurado falou também sobre uma nova Carta encíclica.
Portanto, o Papa concluiu o seu terceiro volume sobre Jesus de Nazaré, dedicado aos Evangelhos da infância: segundo o Cardeal Bertone é um grande presente para o Ano da Fé, que se iniciará em outubro próximo. Leremos o livro com grande expectativa e muito gosto – afirmou.

Por sua vez, a Sala de Imprensa da Santa Sé faz votos de que a publicação do livro "se dê simultaneamente nas línguas de maior difusão", bem sabendo que para isso será necessário "um côngruo espaço de tempo para uma tradução precisa de um texto importante e esperado".

Ademais, talvez tenhamos uma nova encíclica – acrescentou o Cardeal Bertone –, a quarta do Pontificado após a Deus caritas est de 2005, a Spe salvi de 2007, e a Caritas in veritate de 2009.

À margem de uma missa celebrada na igreja paroquial da localidade de Introd, no Valle d'Aosta, o Secretário de Estado vaticano disse, inda, que nesse período de repouso está revendo documentos, anotações e problemas que precisam ser colocados em ordem, naturalmente sempre em contato com Roma, quer com os seus colaboradores, quer com o Papa.

O Papa Bento XVI e a Nova Evangelização

Na homilia, recordando a memória litúrgica de Santo Eusébio de Vercelli – celebrada neste 2 de agosto –, destacou a obra de evangelização feita pelo bispo, que "não ficou em sua casa". "Para levar o Evangelho e a salvação de Cristo a todos os lugares, enfrentou viagens duríssimas, perigos, incompreensões e perseguições dos inimigos".

"Quando se fala em 'nova evangelização' – observou o Cardeal Bertone – devemos saber reconhecer nessa expressão toda a confiança que Deus deposita em nós hoje, no querer-nos anunciadores do Evangelho no meio de nosso povo, tanto quanto os primeiros discípulos entre os pagãos de seu tempo.

"Em todo âmbito social: no trabalho, no matrimônio e na família, como em todos os grupos de amigos e de engajamento social, cada um é realmente imprescindível para uma ramificação do testemunho de fé", exortou o purpurado.

Nesse contexto, "então compreendemos a grande importância do anúncio feito por Bento XVI de proclamar o Ano da Fé, que terá início em outubro próximo, à distância de 50 anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II."

"Será um ano importante, basta pensar na necessidade do nosso tempo de servir à causa do homem" que, segundo Bento XVI, sem Deus "não sabe para onde ir e nem mesmo consegue compreender que ele é".

"Conscientes da nossa dignidade de colaboradores ou de agentes de uma 'nova evangelização', devemos cultivar uma grande paixão por Deus, em primeiro lugar."

"Mas devemos também esforçar-nos de muitos modos para descobrirmos novamente, mediante uma formação realmente cristã, os muitos tesouros da nossa cultura e da fé que muitos perderam de vista e que, por isso mesmo, se tornaram quase irreconhecíveis" – concluiu o Cardeal Bertone. (RL)

01 agosto 2012

Bento XVI e a coragem de se abrir à amplidão da razão

Se Jesus se torna um caso

Acaba de ser publicado o livro Ampliare l'orizzonte della ragione. Per una lettura de Joseph Ratzinger – Benedetto XVI (Città del Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 2012, 77 páginas, 12 euros) do arcebispo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Publicamos excertos de um dos capítulos que contém o texto da relação feita no congresso «Dal lògos dei Greci e dei Romani al Lògos di Dio. Ricordando Marta Sordi» (Milano, Università Cattolica del Sacro Cuore, 13 novembre 2011).


Na lição em Regensburg Bento XVI ressaltou de novo a síntese de fé e razão e de liberdade e amor. Quatro conceitos que hoje um mundo secularizado gostaria de reclamar para si, sem reconhecer ao mesmo tempo à Igreja o direito de se apresentar como fonte de uma vida sensata da sociedade. Quem não crê em Cristo como único mediador de salvação, orgulha-se da própria abertura mental e capacidade de tolerância, acusando a Igreja de constrangimento das consciências e de imperialismo espiritual. Mas esta tolerância elevada a absoluto numa visão pluralista do mundo, falta quando se trata do cristianismo e da sua escolha de fé.


O relativismo aplicado à verdade não é só um raciocínio filosófico, mas desemboca inevitavelmente na intolerância em relação a Deus. Os enunciados principais sobre Deus, Jesus Cristo, a Igreja, no máximo são considerados como subcultura de um agrupamento religiosamente motivado. Deus torna-se um «ideal», que se deve usar para a edificação ou para a doutrinação dos homens. Jesus Cristo torna-se um «caso» particularmente adequado para servir como modelo para a moral da sociedade, e a Igreja é uma união livre (como a associação) de pessoas com as mesmas opiniões subjectivas em matéria de religião.

A nossa profissão de fé contém já o gérmen de um encontro com Deus orientado segundo a razão humana. Razão, racionalidade não são conceitos incompatíveis com a fé, mesmo se esta é a reprovação constante. Nós, como seres racionais, somos concebidos de tal modo que não escondemos Deus perante a razão. O mundo precisa de uma razão que não seja surda em relação ao divino. O Lógos divino assumiu a natureza humana em Jesus Cristo. Esta é a fé que a razão ensina a compreender, esta é a razão que chega à fé, esta é a liberdade que age segundo consciência.
Gerhard Ludwig Müller

O direito segundo Bento XVI: A razão é de todos




O cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado

Com frequência o Papa Bento XVI se ocupa do conceito de direito ao tratar de outros temas ou ao enfrentar do próprio direito só aspectos particulares, como no Discurso pronunciado no Bundestag, a 22 de Setembro de 2011, no qual o Pontífice analisou esse tema de modo exclusivo e, podemos dizer, com fervor.
O Papa recorda que: «o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, um ordenamento jurídico derivante de uma revelação». Retomando o exemplo acima utilizado, a religião católica nunca teria imposto, ao Estado ou à sociedade, o direito do embrião a receber o respeito pela sua existência.

O instrumento cognoscitivo, caso seja uma religião que declara a ontologia, é, e não pode deixar de ser a fé de um sujeito, ou melhor, a adesão por fé de um sujeito à autoridade da religião que certifica a ontologia. O próprio Papa o revela com esta significativa expressão: «foi decisivo o facto de que os teólogos cristãos tenham tomado posição contra o direito religioso, exigido pela fé na divindade». Portanto: «exigido pela fé na divindade».

As verdadeiras fontes do direito

Ora, a fé e a adesão por fé não pertencem necessariamente a cada sujeito na comunidade civil. Nem sequer ao legislador, isto é, a cada uma das pessoas que compõem o conjunto legiferante. O que acabámos de afirmar é uma consequência imediata do princípio da liberdade religiosa e, portanto, da liberdade de consciência. Pelos motivos supramencionados, para conhecer e afirmar o direito ontológico é preciso seguir outros caminhos, outros instrumentos cognoscitivos. Neste ponto o Papa remete para «natureza e razão», «harmonia entre razão objectiva e subjectiva» e qualifica tais elementos como «verdadeiras fontes do direito». Isto significa que a razão deve indagar a natureza para encontrar o direito ontológico.

A este ponto é decisivo realçar que a razão representa o instrumento cognoscitivo adequado não só porque, como é óbvio, é capaz de indagar a natureza e assim conhecer a ontologia, mas também porque, diversamente da adesão por fé, que pertence só a alguns, a razão é de todos.

Francesco Coccopalmerio, cardeal presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos

16 julho 2012

O homem em oração (8): A leitura da Bíblia, alimento para o espírito




A leitura da Bíblia, alimento para o espírito

Estimados irmãos e irmãs!
Estou muito feliz por vos encontrar aqui na praça em Castel Gandolfo e por retomar as audiências, interrompidas no mês de Julho. Gostaria de continuar o tema ao qual tínhamos dado início, ou seja, uma «escola de oração», e também hoje, de uma maneira um pouco diversificada, sem me afastar desta temática, referir-me a alguns aspectos de índole espiritual e concreta, que parecem úteis não apenas para quem vive — numa região do mundo — a temporada das férias de Verão, como nós, mas inclusive para todos aqueles que estão comprometidos no trabalho diário.

Quando temos um momento de pausa nas nossas actividades, de modo especial durante as férias, muitas vezes pegamos num livro, que desejamos ler. É precisamente este o primeiro aspecto, sobre o qual hoje gostaria de meditar. Cada um de nós tem necessidade de momentos e de espaços de recolhimento, de meditação e de calma... Graças a Deus é assim! Com efeito, esta exigência diz-nos que não fomos feitos apenas para trabalhar, mas também para pensar, ponderar, ou simplesmente para acompanhar com a mente e o coração uma narração, uma história com a qual nos identificarmos, num certo sentido, «perder-nos», para depois nos encontrarmos enriquecidos.

Naturalmente, muitos destes livros de leitura, que temos nas nossas mãos durante as férias, são sobretudo de evasão, e isto é normal. Todavia, várias pessoas, especialmente se podem contar com espaços de pausa e de descanso mais prolongados, dedicam-se à leitura de algo mais comprometedor. Então, gostaria de lançar uma proposta: por que deixar de descobrir alguns livros da Bíblia, que normalmente não são conhecidos? Ou dos quais, talvez, ouvimos alguns trechos durante a Liturgia, mas que nunca lemos na íntegra? Com efeito, muitos cristãos já não lêem a Bíblia, e têm um seu conhecimento muito limitado e superficial. A Bíblia — como diz o nome — é uma colectânea de livros, uma pequena «biblioteca», nascida ao longo de um milénio. Alguns destes «livrinhos» que a compõem permanecem quase desconhecidos para a maior parte das pessoas, inclusive de bons cristãos. Alguns são muito breves, como o Livro de Tobias, uma narração que contém um sentido muito elevado da família e do matrimónio; ou o Livro de Ester, em que a rainha judia, com a fé e a oração, salva o seu povo do extermínio; ou ainda mais breve, o Livro de Rute, uma estrangeira que conhece Deus e experimenta a sua Providência. Estes pequenos livros podem ser lidos inteiramente numa hora. Mais exigentes, e autênticas obras-primas, são o Livro de Job, que enfrenta o grande problema da dor inocente; o Qoelet, que impressiona pela modernidade desconcertante com que põe em discussão o sentido da vida e do mundo; o Cântico dos Cânticos, maravilhoso poema simbólico do amor humano. Come vedes, são todos livros do Antigo Testamento. E o Novo? Sem dúvida, o Novo Testamento é mais conhecido, e os seus géneros literários são menos diversificados. Porém, a beleza da leitura integral do Evangelho deve ser descoberta, assim como recomendo os Actos dos Apóstolos, ou uma das Cartas.

Caros amigos, para concluir, hoje gostaria de sugerir que conserveis ao vosso alcance, durante a temporada de Verão, ou nos momentos de pausa, a Bíblia Sagrada, para a saborear de modo novo, lendo inteiramente alguns dos seus livros, aqueles menos conhecidos e também os mais famosos, como os Evangelhos, mas numa leitura contínua. Assim, os momentos de descanso podem tornar-se, além de um enriquecimento cultural, inclusive um alimento para o espírito, capaz de nutrir o conhecimento de Deus e o diálogo com Ele, a oração. E esta parece ser uma bonita ocupação para as férias: pegar num livro da Bíblia, gozar assim de um pouco de descanso e, ao mesmo tempo, entrar no grande espaço da Palavra de Deus e aprofundar o nosso contacto com o Eterno, precisamente como finalidade do tempo livre que o Senhor nos concede.

 PAPA BENTO XVI
Castel Gandolfo
Quarta-feira, 3 de Agosto de 2011


© Copyright 2011 - Libreria Editrice Vaticana