18 dezembro 2011

O homem em oração (6): Profetas e orações em confronto


Profetas e orações em confronto (1Rs 18, 20-40)

Prezados irmãos e irmãs
Na história religiosa do antigo Israel, tiveram grande relevância os profetas com o seu ensinamento e a sua pregação. Entre eles, sobressai a figura de Elias, suscitado por Deus para levar o povo à conversão. O seu nome significa «o Senhor é o meu Deus» e é em sintonia com este nome que se desenvolve a sua vida, inteiramente consagrada a provocar no povo o reconhecimento do Senhor como único Deus. De Elias, o Ben Sirá diz: «Levantou-se depois o profeta Elias, ardoroso como o fogo; as suas palavras ardiam como uma tocha» (Ecli 48, 1). Com esta chama, Israel volta a encontrar o seu caminho para Deus. No seu ministério, Elias reza: invoca o Senhor para que restitua a vida ao filho de uma viúva que o tinha hospedado (cf. 1 Rs 17, 17-24), clama a Deus o seu cansaço e a sua angústia, enquanto foge para o deserto procurado pela rainha Jezabel que o queria matar (cf. 1 Rs 19, 1-4), mas é sobretudo no monte Carmelo que se mostra em todo o seu poder de intercessor quando, diante de todo o Israel, reza ao Senhor para que se manifeste e converta o coração do povo. É o episódio narrado no capítulo 18 do primeiro Livro dos Reis, sobre o qual hoje meditamos.
Encontramo-nos no reino do Norte, no século IX a.C., na época do rei Acab, num momento em que em Israele se tinha criado uma situação de sincretismo aberto. Além do Senhor, o povo adorava Baal, o ídolo tranquilizador do qual se acreditava que derivava o dom da chuva e ao qual, por isso, se atribuía o poder de dar fertilidade aos campos e vida aos homens e ao gado. Embora pretendesse seguir o Senhor, Deus invisível e misterioso, o povo procurava a segurança também num deus compreensível e previsível, do qual julgava que podia obter a fecundidade e a prosperidade, em troca de sacrifícios. Israele cedia à sedução da idolatria, a tentação contínua do crente, iludindo-se que podia «servir a dois senhores» (cf. Mt 6, 24; Lc 16, 13), e facilitar os caminhos impérvios da fé do Todo-Poderoso, depositando de novo a sua confiança também num deus impotente, feito pelos homens.
É precisamente para desmascarar a insensatez enganadora de tal atitude que Elias manda reunir o povo de Israel no monte Carmelo e que o põe diante da necessidade de fazer uma escolha: «Se o Senhor é Deus, segui-o, mas se é Baal, segui Baal» (1 Rs 18, 21). E o profeta, portador do amor de Deus, não deixa sozinho o seu povo perante esta escolha, mas ajuda-o, indicando-lhe o sinal que revelará a verdade: tanto ele como os profetas de Baal prepararão um sacrifício e rezarão, e o Deus verdadeiro manifestar-se-á, respondendo com o fogo que consumará o holocausto. Assim começa o confronto entre o profeta Elias e os seguidores de Baal, que na realidade está entre o Senhor de Israel, Deus de salvação e de vida, e o ídolo mudo e sem qualquer consistência, que nada pode, nem no bem nem no mal (cf. Jr 10, 5). E começa inclusive o confronto entre dois modos completamente diferentes de se dirigir a Deus e orar.
Com efeito, os profetas de Baal, clamam, agitam-se, dançam saltando, entram num estado de exaltação e chegam até a cortar-se «com espadas e lanças, até se cobrirem de sangue» (1 Rs 18, 28). Eles recorrem a si mesmos para interpelar o seu deus, confiando nas próprias capacidades para suscitar a sua resposta. Revela-se deste modo a realidade enganadora do ídolo: ele é pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gerir com as próprias forças, ao qual se pode aceder a partir de si mesmo e da própria força vital. A adoração do ídolo, em vez de abrir o coração humano à Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço limitado do próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom recíproco, fecha a pessoa no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesmo. E o engano é tal que, adorando o ídolo, o homem se encontra obrigado a gestos extremos, na tentativa ilusória de o submeter à própria vontade. Por isso, os profetas de Baal chegam a angustiar-se, a provocar feridas no corpo, com um gesto dramaticamente irónico: para ter uma resposta, um sinal de vida do seu deus, chegam a cobrir-se de sangue, e com ele simbolicamente de morte.
A atitude de oração de Elias, ao contrário, é muito diferente. Ele pede ao povo que se aproxime, envolvendo-o deste modo na sua acção e na sua súplica. A finalidade do desafio por ele dirigido aos profetas de Baal consistia em reconduzir para Deus o povo que se tinha perdido, seguindo os ídolos; por isso, ele quer que Israel se una a ele, tornando-se partícipe e protagonista da sua oração e daquilo que estava a acontecer. Depois, o profeta erige um altar utilizando, como o texto descreve, «doze pedras, segundo o número das doze tribos saídas dos filhos de Jacob, a quem o Senhor dissera: “Tu chamar-te-ás Israel”» (v. 31). Aquelas pedras representam todo o Israel, e constituem a memória tangível da história de eleição, de predilecção e de salvação, da qual o povo fora objecto. O gesto litúrgico de Elias tem um alcance decisivo; o altar é lugar sagrado que indica a presença do Senhor, mas aquelas pedras que o compõem representam o povo, que agora, graças à mediação do profeta, é colocado simbolicamente diante de Deus, tornando-se «altar», lugar de oferenda e de sacrifício.
Mas é necessário que o símbolo se torne realidade, que Israel reconheça o verdadeiro Deus e volte a encontrar a própria identidade de povo do Senhor. Por isso, Elias pede a Deus que se manifeste, e aquelas doze pedras, que deviam recordar a Israel a sua verdade, servem também para recordar ao Senhor a sua fidelidade, à qual o profeta se apela na oração. As palavras da sua invocação são densas de significado e de fé: «Senhor Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel, que eu sou vosso servo e que por vossa ordem fiz todas estas coisas. Ouvi-me, Senhor, ouvi-me: que este povo reconheça que vós, Senhor, sois Deus, e que sois vós que converteis os seus corações!» (vv. 36-37; cf. Gn 32, 36-37). Elias dirige-se ao Senhor, chamando-lhe Deus dos Pais, fazendo assim memória implícita das promessas divinas e da história de eleição e de aliança, que uniu indissoluvelmente o Senhor ao seu povo. O compromisso de Deus na história dos homens é tal que o seu Nome já está ligado de maneira inseparável ao dos Patriarcas, e o profeta pronuncia aquele Nome santo para que Deus se recorde e se mostre fiel, mas também a fim de que Israel se sinta chamado pelo nome e volte a encontrar a sua fidelidade. Com efeito, o título divino pronunciado por Elias parece um pouco surpreendente. Em vez de utilizar a fórmula habitual, «Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob», ele recorre a um apelativo menos comum: «Deus de Abraão, de Isaac e de Israel». A substituição do nome «Jacob» com «Israel» evoca a luta de Jacob no vau do Jaboc, com a troca do nome à qual o narrador faz uma referência explícita (cf. Gn 32, 31) e da qual falei numa das últimas catequeses. Tal substituição adquire um significado expressivo no contexto da invocação de Elias. O profeta reza pelo povo do reino do Norte, que se chamava precisamente Israel, distinto de Judá, que indicava o reino do Sul. E agora este povo, que parece ter esquecido a própria origem e a sua relação privilegiada com o Senhor, sente-se chamado pelo nome, enquanto é pronunciado o Nome de Deus, Deus do Patriarca e Deus do povo: «Senhor Deus [...] de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel».
O povo pelo qual Elias reza é posto de novo diante da própria verdade, e o profeta pede que também a verdade do Senhor se manifeste e que Ele intervenha para converter Israel, dissuadindo-o do engano da idolatria e levando-o assim à salvação. O seu pedido é para que o povo enfim saiba, conheça de modo pleno quem é verdadeiramente o seu Deus, e faça a escolha decisiva de seguir só Ele, o Deus verdadeiro. Pois somente assim Deus é reconhecido por aquilo que é, Absoluto e Transcendente, sem a possibilidade de lhe pôr ao lado outros deuses, que O negariam como Absoluto, tornando-o relativo. Esta é a fé que faz de Israel o povo de Deus; trata-se da fé proclamada no conhecido texto do Shemá Israel: «Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, toda a tua alma e todas as tuas forças» (Dt 6, 4-5). Ao Absoluto de Deus, o fiel deve responder com um amor absoluto, total, que comprometa a sua vida inteira, as suas forças e o seu coração. E é precisamente para o coração do seu povo que o profeta, com a sua oração, implora a conversão: «Que este povo reconheça que vós, Senhor, sois Deus, e que sois vós que converteis os seus corações!» (1 Rs 18, 37). Com a sua intercessão, Elias pede a Deus o que o próprio Deus deseja realizar, manifestar-se em toda a sua misericórdia, fiel à sua realidade de Senhor da vida que perdoa, converte, transforma.
E é isto que acontece: «O fogo do Senhor baixou do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras, a poeira e até mesmo a água do sulco. Vendo isso, o povo prostrou-se com o rosto por terra, exclamando: “O Senhor é Deus! O Senhor é Deus!”» (vv. 38-39). O fogo, este elemento necessário e ao mesmo tempo terrível, ligado às manifestações divinas da sarça ardente e do Sinai, agora serve para assinalar o amor de Deus, que responde à oração e se revela ao seu povo. Baal, o deus mudo e impotente, não tinha respondido às invocações dos seus profetas; o Senhor, ao contrário, responde, e de modo inequívoco, não só consumindo o holocausto, mas até secando toda a água que tinha sido derramada em volta do altar. Israel já não pode ter dúvidas; a misericórdia divina veio ao encontro da sua debilidade, das suas dúvidas e da sua falta de fé. Agora Baal, o ídolo inútil, é derrotado, e o povo que parecia perdido voltou a achar o caminho da verdade e a encontrar-se a si mesmo.
Estimados irmãos e irmãs, o que nos diz, a nós, esta história do passado? Qual é o presente desta história? Em primeiro lugar está em questão a prioridade do primeiro mandamento: adorar unicamente a Deus. Onde Deus desaparece, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, no nosso tempo, os regimes totalitários e como mostram também diversas formas de niilismo, que tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, escravizando-o. Em segundo lugar, a finalidade primária da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma o nosso coração e nos torna capazes de ver Deus e, assim, de viver segundo Deus e de viver para o próximo. E o terceiro ponto: os Padres dizem-nos que também esta história de um profeta é profética, se — dizem — é sombra do porvir, do futuro Cristo; é um passo ao longo do caminho rumo a Cristo. E dizem-nos que aqui vemos o verdadeiro fogo de Deus: o amor que orienta o Senhor até à Cruz, até ao dom total de si mesmo. Então, a autêntica adoração de Deus consiste em dar-se a si próprio a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a autêntica adoração de Deus não destrói, mas renova e transforma. Sem dúvida, o fogo de Deus, o fogo do amor consome, transforma e purifica, mas precisamente por isso não destrói mas, ao contrário, cria a verdade do nosso ser, volta a criar o nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e em verdade. Obrigado!

PAPA BENTO XVI
Praça de São Pedro

Quarta-feira, 15 de Junho de 2011



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